madrugada

 de mim há de renascer o tempo que há de vir e do vento virá o dia

em que eu não mais serei quem nunca fui na vida

mas apenas o pó do que um mísero dia alguém lá na esquina

e sem eira nem beira se lembrou de criar como quem cheira

a pétala da primeira flor da primavera e singelo o verso

me abraça e venera sem que de mim seja nem de mim se faça

só sei que morro e renasço sempre à porrada com os ossos esmagados

contra a cama em que me amavas como me dói o tempo de ser grata

como sou eternamente tua na esquina de todos os segundos 

da minha vida em que não me queres nem em ti pensada e assim choro

e me contemplo desgraçada e linda etérea e miserável como se me abrem

os céus da madrugada altiva e fria gelida gelida de um tal ar de cortar a faca

que nao me atrevo a abrir os olhos

a pupila enevoada por

eternas

lágrimas

onde não cabe mais nada senão essa dor invicta em que me sinto ainda

e sempre

parte

de quem de mim queres ver arrancada

e que eu, lá no fundo, nunca quis, nunca quis ser uma mulher

estrondosa e consagrada e nem tão pouco invisível pó de areia

à beira da nossa porta de casa. Estou cansada como senão houvesse mais nenhuma

madrugada.

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