Diria a Adriana Calcanhotto

Pensei que ia morrer de tristeza um dia, ou de amor, mas não morri,

vou morrer de qualquer outra coisa menos simpática imagino, não faço 

previsões agora, só depois do jogo

mas creio que o jogo acabou, e que os monstros estão a ouvir rádio

e eu estou a ouvir as bombas a cair no meu quarto, na sala, no piano.

Estremece tudo enquanto eles me cortam aos pedaços

primeiro um pedaço aqui, depois outro ali

e entretanto onde estás tu? ah, sim...tristinho porque me vou

embora, tristonho porque me vou tão tarde, tristão porque me vou isolda.

Rezo por nós mas não sei onde estamos nós, só me vejo a mim aqui

ou melhor, vejo os pedaços que ainda sobram

espalhados pelo sofá como se eu não fosse cega e não soubesse

que há quem se chegue perto dum campo aberto em pleno bombardeio.

Já quase não há escombros, digo, como se isso fizesse alguma

diferença,

sobraram só os dedos afinal, ou não haveria como escrever-vos isto:

nunca estive doida, só não suporto a maldade intrínseca com que me cortam assim

aos pedacinhos. Prefiro não ser nada. Mas, Ficaram-me os Dedos Estarrecidos...

e a certeza absoluta de que o meu mundo acaba aqui, nestes

dedos que escrevem sem saber de si.

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