Loas do mar longínquo

Acaso me alongasse neste assunto que do meu peito não chega a ser

viria aqui pois dizer que já não há quem queime a madrugada ao meio, 

                                                 que nem que o sol se ponha ao meio-dia

não há quem queime a madrugada ao meio.

Assim concorrendo com a questão do tempo, ponho-me de cócoras

e suspeito que se assim me deixar estar sem respirar bruscamente, 

e nem sequer virar a cabeça de um lado ao outro,

suspeito que se assim me deixar estar, a resposta vai chegar,

como se Zeus, ele mesmo, o velho, chegasse aqui, com o recado na mão.

Ainda não sei de que cores serão essas constelações

mas asseguro-vos de que ao final não sobrará pedra sobre pedra

hei-de ser a porca gostosa o que baste que já não aguento o tanto de suíno a babar

- o som do riso ecoa para além da manhã no outro hemisfério -

hei-de ser o ar, que concha de veludo e dor, faz pérolas de amores.

Serei metade onça metade cobra para que possa correr e saltar

e ainda assim escorregar estarrecer-me junto ao chão e deixar que o

veneno seja também o meu pão

escrevo por entre os dedos e o meu pensar existe

num canal 

tipo

canal vaginal

onde se criam coisas por motto próprio tão somente eu tenha 

a decência de me desaparecer.

              Assim faço, e quando posso esgueiro-me entre as frinchas das janelas

cheias de mulheres vestidas de corvos e corvos tão azuis

que já adivinho um entardecer arroxeado -

da cor dos meus olhos ultimamente tão tristes e desolados

ao reparar na inutilidade dos dias -

mas o entardecer arroxeado que estende os seus ramos de ouro por sobre o Ohio

paira sobre mim

e ohhhhh queria-me Pessoa e sentir-me poeta e só disso saber

mas tenho receios de plebeia e as ameixas que comeria carmins e carnudas

são o que se pôde arrancar do chão. Talvez seja o destino de nunca ser e só viver sendo,

para logo não mais o ser.

Seremos talvez cobrinhas d'água e as minhas dores tão ínfimas que nem as mejicas

se atrapalham.

Logo, sorrio,

e deixo que uma enorme fatia do céu se ate e se bolha num borbulhar estaboalhado até,

e caia sobre a nossa casa.

                      Quando virem sair as criancinhas falando em português, 

saibam que foi assim que os deuses se mostraram ao mundo: 

cantando longas loas do mar longínquo àquelas moças, 

sempre tão seixos e sorridentes leitos em peitos que de flamingos

quase são 

de tão cor-de-rosa.

                  Quando virem as criancinhas saberão que a resposta assim chegou.

Mas tomem tento, porque só em português se saberá do feito

e só nossa boca de pássaros pousará em beijos sobre ambos os hemisférios.

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