Slow Boat to China (Hilda Hilst, Agda)

ouço-te e odeio-te tanto que mal me cabe espaço para

fingir que ainda te amo como sempre te amei

finjo que finjo que sei que te amo como antes

e seguro o ódio com a ponta dos dedos

fazendo para que me não pique

não quero ódios assados no forno para os

meus dias

e para as minhas noites então quero que a luz que 

do solo brilha, acobreada e lisa, longa como a mais

longa das viagens daqui

para a China me embale 

slow boat to China

não cantes mais essa canção Agda

a única coisa que queria era ver-te feliz

quando me vês de manhã, ao despertar

mas de madrugada pareces odiar-me mais

ainda

queria-te que porquinha querida fosses

quando me vês

mas gorda porca não pode mais

que comer-se comer-se comer-se

tanta pena tinha eu daquela porquinha 

mas de ti...

Todas as manhãs, todos os dias 

agora também às noites

tenho mesmo é uma vontade incomensurável

um desejo tão profundamente impossível

de ir de barco devagar o mais devagar possível

daqui 

até à China

sem ti.



Comments