Só para zombar do fim

 






Entre a morte e a vida
fazem-se-me os desejos obscuros e doentes
feitos de sonhos sem estrelas
em que a casa sobre mim desaba 
Esfinge de um ser arguto e cabeludo
que me olha de longe
só para zombar do fim.

Não sei onde colocar as mãos, os pés,
não sei até onde sorrir
sem fazer um esgar
de vomitar
Porque o sorriso é só um riso de esguelha
a disfarçar o vómito
que me atravessa inteira
feita das revoluções de todos os dias
em que sofro as pedras calcorreadas
de Lisboa.
A lâmina que me desafina de alto abaixo
absolutamente no meridiano de mim
é tão fina, um esquisso de tinta
um amarelo limão que me tinge o corpo
já sangria.
Porque temos nós de continuar sempre?
Porque é a vida tão longamente cheia
das mesmas dores sem fim em que desacreditamos
de mim?
Desacredito de mim,
e esta dúvida a quem imploro por um sinal
assim me deixa impune ao tempo.

Carrego em mim o amor de uma menina
a dor das chacinas temperadas com gracinhas
e a surpresa de um caule de batata
quando vê a luz
do primeiro dia.
Só isso me salva no meio desta hemorragia
em que me drenas até à última gota
com meu consentimento
E a última gota só vem mesmo no fim.




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