muito mais frio do que o quarto do Caetano, no Rio.

 não posso dizer nada a ninguém, nem a ti tão pouco

que já te reconheço arredio e temeroso

não posso nem a ti dizer que não tenho o tempo

nem a razão e nem a alegria

nem tão pouco mais ou menos posso dizer

que agora estou no caminho da paz

cravada a ferro em brasa na minha gloriosa lisa

quase absolutamente transparente pele

que mal me cobre a carne

que mal me cobre

um destes dias não tenho mais carne


Hoje fui comprar

que alívio ainda poder comprar-se carne

mas a minha desaparece esvanece-se

come-se faz-se guisado de si

e eu olhando de lado

e horrorizada

aterrorizada

que amanhã não haja um beijo em minha boca

um bom dia de revés que seja ou pior ainda

que amanhã não haja quem me

espreite

às vezes


hoje fui comprar carne

mas agora, deitada aqui no sofá

não consigo sentir o contorno de corpo algum

a não ser o teu

que dorme tão longe que aqui só chega frio

muito frio

muito mais frio do que o quarto do Caetano, no Rio.

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