Viver é tão difícil.

as pestanas entreabertas apenas e já se escuta vagamente
o vómito a querer subir
levanto-me como se a cama fosse culpada
e na cozinha, do imprevisto do ontem
estás tu
tão escondido por debaixo das mercearias
que não vejo de ti
senão o ronco escuro com que me enxotas

estendo a minha mão aberta delicadamente
e ainda tonta da madrugada
e já riscos de sangue traçados nos meus pulsos
garrafas aos cacos espetadas nos tornozelos
os tapetes encharcados de água de rosas e de água
de olhos aflitos

                                                    Limpo tudo enquanto silente e raivoso
                                                 me ignoras do alto do banco da cozinha
          e à tua volta alastra-se o nevoeiro frio
que parece ter trocado a rua pela nossa casa
             e gelidamente volto à cama, escondo-me por debaixo dos lençóis
onde daqui a nada,
                                     esvaídas as minhas pantanosas lágrimas,
não haverá mais que velhas pedras de sal
                    com que temperas o jantar.

E eu aqui, querendo aconchegar-me no choro
outra vez
porque com tanta falta de braços
não sei o que mais fazer.
Viver é tão difícil.



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