talvez por misericórdia

talvez por misericórdia, talvez por discórdia
entre minha voz de menina e minha força
ainda não inteiramente perdida
revolvo o lixo
limpo incansavelmente
como se a tua vida dependesse dessa
tarefa gigantesca as minhas mãos em escaras
as minhas costas laceradas e tu para mim
sorrindo
como se o mundo não fosse este mísero
inferno sofrido até ao último de todos os
círculos
Que fazer de tanta ausência
que não há já peso que te traga ao chão?
Voas incontinentemente leve e graciosa
e eu rato de esgoto
ainda
roendo os restos que deixaste esquecida
por entre as dobras dos lençóis e
a minha voz prometendo querida
que regressar
regressaria
Vinte anos volvidos
puta velha mentirosa aflita
cansada inútil sombra de inúmeras
vozes já jazidas
acabo-me na imundície da tua casa
esperando que por pena contigo me leves
e que em dueto
voemos
por sobre a estrumeira desta porca vida

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