tão cansada

sinto-me tão cansada 
    e no entanto aqui está tudo, fechado dentro de mim 
    e deste corpo surdo, desfazendo-se em vias paralelas, 
sobrevivendo acima das ruínas deste mesmo filme 
reprises de uma piada velha da qual apenas eu rio, 
na madrugada de um café sujo no meio de Lisboa
rio
rios
enchentes
enxurradas de risos inteiros
sem um guarda-chuva e visto que foram
arrastados os anos até aqui
lavo-os seco-os borrifo-os passo-os a ferro
e arrumo
tudo
e
Deixo-te tudo 
Neste pequeníssimo espaço
deixo-te o que sou de
gente
deixo-te ficar
o tal riso arrumado de outras eras
o pouco siso perdido de outros sismos
e umas palavrinhas
Sobra-me o tal rio
que escorra ou não uma gota de água
corre
deste corpo
tão cansado, já, tão cansado que parece impossível
que amanhã
ainda te diga
bom-dia

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