entre pernas e mãos

vejo-me meio cega já através das brasas dormentes com que me pelas inteira
na fogueira.
das tuas pernas ancoradas aos troncos que rolam soltos pela casa
fiz a fogueira
e de cada palavra que não dizia uma brasa enraivecida
estilhaços de amantes que nem amar amariam
ardentes fogos
serenas brasas com que me escarninham o rosto vermelho inchado disforme
que não verás
pois que teus olhos não moram no meu quintal
apenas tuas pernas,
mas queimei-as para meu sossego
e nesse sossego me pelei ainda
outro dia virá
em que talvez te possa ver vindo por entre as vigas que abateste
e que eu de novo ergui na força das minhas mãos até aos céus oferecer minha abobada
angelical
enredada em hera
e em folhas secas
vejo a luz que não me vê pois cega perdi o direito a chorar pela beleza
do teu quadro que apenas queria ver
e nele me enrolo imensa tela de sagradas moradas e góticas fantasias
nela na tela
me entaipo inteira
para que agora na mais negra escuridão te possa finalmente descrever
a beleza de uma abobada celeste onde sem anjos os pássaros trouxeram ramos
e a luz vive em plena liberdade crescendo do céu aos céus onde voarei
asas negras e rosto de carvão
queimada a possibilidade de te não dizer nada
voarei para me esparramar no teu chão
e falar-te do belo
sempre. cega ou não. entre as tuas mãos.

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