Viver em meio às ruínas, aos buracos da estrada

Viver em meio às ruínas, aos buracos da estrada
o mesmo cabelo ondulado e o nariz arrebitado
e o papel que se foi
e saber de tudo
o senhor meu marido
a minha filha
e todos os cães mortos no jardim
das traseiras
pouco ou nada a dizer que não saibam desde sempre
são os mesmos buracos as mesmas ruínas
e não há volúpia da carne que apague
a cidade perdida que se acendia de noite e de dia
e onde os pés queimavam nos passeios de pedra
negra e branca a desenhar os passos que bem sorriam
e a cidade sempre lá de longe como a mãe que nunca vinha.
hoje não tenho ruínas
e nem fantasmas alucinados ou dias de alegria
espero que as horas andem para onde alguém me diga
sempre fiz como se queria
e a imagem de mim flutua adormecida
as eternas ruínas onde me refaria
se tal verbo existisse e eu fosse sempre menina
já não vivo em meio às ruínas e perdi o papel
o papel
o papel
onde as palavras eram aviões e os livros o que escrevia.
Quero as ruínas da minha vida.

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